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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Gratificação por Desempenho para a Polícia

Li nos jornais de Fortaleza que o governo estuda a possibilidade de remunerar policiais de forma diferenciada a partir da eficiência na redução dos índices de criminalidade. A matéria dizia que se a incidência de crimes for reduzida em determinada área, os policiais que atuam nela ganhariam uma premiação por desempenho e que os estudos para implantação de tal medida estavam adiantados. Não tenho como falar especificamente do projeto do governo, pois os detalhes do mesmo não foram revelados. Aliás, dada a complexidade do assunto, acho mais é que a notícia de que essas medidas estão avançadas não são precisas. De qualquer forma, esse assunto me interessa sobremaneira. Tenho dito e escrito (veja textos sobre o assunto aqui e aqui) que um dos maiores problemas das polícias brasileiras é a questão gerencial. Estabelecer um sistema de metas para avaliação da qualidade das ações é sem dúvida uma boa prática gerencial e em essência deve ser louvada. Agora, há três questões fundamentais a serem respondidas antes de se iniciar um sistema desse tipo nas polícias: i) O que é uma polícia de qualidade? ii) Quais os indicadores que indicam essa qualidade policial? iii) Existe estrutura de coleta, acompanhamento e análise desses indicadores, que permitam avaliações confiáveis? Ao se tentar responder a essas perguntas com um pouquinho de cuidado, vê-se logo que a coisa não é tão simples. Não há respostas absolutas para as mesmas e digo-lhes que isso não é só um problema cearense, nem mesmo só brasileiro. Não é a toa que este é um dos temas mais palpitantes da pesquisa científica em segurança pública e que envolve sociólogos, informáticos e administradores para mencionar alguns. Alguns governos tentaram precipitadamente implantar medidas de incentivo a produtividade policial sem o cuidado que o tema exige e tiveram resultados devastadores. O exemplo mais representativo foi visto no Rio de Janeiro onde um prêmio por bravura em combate elevou fortemente os níveis de violência da polícia que se viu “incentivada de ir a luta” (literalmente). Alguns fatores tornam o contexto da segurança pública atípico. Uma avaliação de qualidade se faz sempre tendo como referencial o cliente final e se ele se sente satisfeito com o produto ou serviço prestado. Pesquisas de opinião para medir a satisfação do cidadão é uma alternativa para avaliar essa qualidade. O que essas pesquisas de opinião refletem é a sensação de segurança cidadão, um fenômeno extremamente difícil de ser compreendido posto que volátil e passível de manipulação. Por exemplo, um policial corrupto que atua em milícias e que “impõe a ordem” em uma área pode levar um cidadão a se sentir seguro (como tem sido o caso em várias regiões de grandes capitais brasileiras), mas evidentemente não pode ser considerado como fazendo polícia de boa qualidade. Além disso, ressalte-se que historicamente, as polícias sempre foram habituadas a medir sua qualidade por procedimentos efetuados. Por exemplo, número de armas apreendidas, prisões efetuadas, inquéritos produzidos, etc. Nunca buscaram muito saber se esses procedimentos produziam o resultado final desejado. Ou seja, se mede o esforço, não a qualidade do resultado. Por fim, o contexto policial é talvez o único onde as informações que poderiam ser usadas para medição de produtividade são de uso exclusivo das organizações policiais. Quantidade de crimes, locais onde eles ocorrem, investigações criminais e grande parte das outras informações cotidianas são coletadas, registradas e mesmo criadas pela própria policia. Um sistema de incentivo a produtividade pode sofrer muito com a falta de confiabilidade dessas informações. Dar visibilidade às informações públicas criminais é algo essencial, coisa que, aliás, já venho denunciando com WikiCrimes, como os leitores desse blog já bem sabem. Em resumo, o assunto é por demais complexo, mas não quer dizer que não deva ser perseguida uma alternativa. Só que exige cautela e uma abordagem holística que compreenda a interação de todos esses aspectos. Não pode ser tratada de forma pontual.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Vasco,

Como sempre, muito boa a sua reflexão sobre o assunto da mensuração da qualidade na polícia.

Porém, a impressão que me passa é que sempre que se busca algo um pouco mais ousado nas políticas públicas isto parece ilegal, imoral ou é complexo
demais para se fazer

Será que é por isto que caminhamos tão lento no quesito Gestão Pública ?

Vasco Furtado disse...

Caro Anonimo,
Vc tem razão que pode se ter esse sentimento, mas acho devemos lembrar que o serviço público foi abandonado. Não se tem o básico. Não se tem recursos humanos, equipamentos, salários, gestão, etc. Como resolver tudo isso é muito demorado e complexo, todo mundo acha uma nova fórmula mágica. Algumas dessas fórmulas acabam a longo prazo piorando a situação. Por isso, prego tanto pela prudência de nossos dirigentes.