O artigo da Prefeita Luizianne Lins no O Povo de hoje que versa sobre a, para lá de desgastada, questão dos buracos de Fortaleza é digno de comentário. Eu escrevo mensalmente naquele espaço e sei como é difícil passar uma mensagem em espaço tão diminuto. Ela conseguiu uma proeza. Tem mensagem ali para um caderno inteiro.
Mesmo que em sua linha mestra, o objetivo seja o de reconhecer que tem realmente muito buraco na cidade e discutir as causas e possíveis soluções, o que mais me chamou a atenção foi a relativização inicial do problema. A primeira frase é simbólica: os buracos são incômodos e desagradáveis. Algo como uma espinha, uma acne. Ou seja, chato, mas periférico, que não é essencial. Depois escreveu um parágrafo inteiro onde tentou caracterizar aqueles que não sabem dos serviços que a Prefeitura desenvolve.
Imaginemos qualquer munícipe que não tem filhos na escola pública, portanto não tem dimensão das melhorias na educação Municipal. Paga um plano de saúde que o faz não depender exclusivamente da saúde pública (mas quase dois milhões de pessoas dependem). Tem casa própria ou alugada, portanto não precisa de casas dadas ou reformadas pela Prefeitura - que já beneficiaram mais de 37 mil pessoas. Tem carro, então não usufrui dos avanços no transporte coletivo.
Bingo! Sou um desses munícipes (sem culpa)!
Depois de criar a classe daqueles que podem se sentir incomodados com os desagradáveis buracos ela continua e diz:
Talvez nesse momento ele lembre da Prefeitura!
Preciso dizer que não é só quando passo nos buracos que me lembro da prefeitura. Sou obrigado a fazer isso anualmente ao pagar o IPTU e mensalmente ao pagar ISS e todos os outros impostos e taxas, mesmo que não arrecadados diretamente pelo município, como a tarifa de iluminação pública, IR, etc.
Ainda por cima me pergunto: será que aqueles que fazem parte dos que “percebem” a Prefeitura também não percebem os buracos? Creio que sim. Percebem porque o trânsito para os ônibus também fica prejudicado com a buraqueira. Percebem porque os ônibus quebram. Percebem porque é feio. Enfim, percebem porque é o dinheiro deles também.
Essa me parece a falha fundamental do discurso de Luizianne. Ela tem uma tendência a considerar o problema da mobilidade urbana como uma questão ideológica de luta entre classes. Em especial, aqueles que têm carros e aqueles que não os têm. Não vou nem entrar no mérito da qualidade do serviço coletivo de transporte urbano, mas uma coisa é fato: ele ocorre sob as ruas e consequentemente quem dele faz uso “se lembra” da prefeitura a todo momento.
O que a Prefeita parece não conseguir perceber é que ela está ficando estigmatizada como alguém que não cuida da cidade. Esse é o ponto! Os buracos são somente um dos sintomas evidenciados pelo tratamento ruim que a cidade vem recebendo. As ruas mal sinalizadas, o descaso com o uso inadequado do espaço urbano e a sujeira das ruas se integram naturalmente aos buracos para aumentar essa sensação. Não adianta querer ideologizar muito, pois o exemplo concreto do cotidiano é muito forte.
5 comentários:
Vasco,
Excelente comentário !
Luis Eduardo
A culpa é da Cagece! :p
Parece-me que nossa prefeita ainda não abandonou - ou amadureceu - o discurso fatídico de luta classes. Como especialista em Marketing, já percebo o distanciamento irreparável entre tema da campanha " fortaleza bela". Triste mas constatavel.
Como disse um apresentador de um programa que agora não me recordo o nome, a Fortaleza Bela virou a Fortaleza Bela Adormecida.
Os órgãos competentes adormeceram para os inúmeros problemas que cidade possui.
No fígado. E com elegância.
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