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terça-feira, 24 de junho de 2008

“Cem mil pessoas dirigindo sem carteira”

Essa frase foi título do Figaro quando estive na França mês passado. Não se refere à realidade brasileira, mas francesa. A reportagem versava sobre como os aparelhos eletrônicos de controle de trânsito (os nossos fotossensores ou pardais), ao substituírem a presença dos guardas de trânsito, têm gerado efeitos colaterais indesejados. Ainda alertava que a probabilidade das pessoas serem abordadas pelas autoridades de trânsito era cada vez menor e por isso praticavam mais delitos como andar sem documentação comprobatória de habilitação. A matéria, em geral, discutia sobre o quão educativo eram esses aparelhos de controle eletrônicos e em que situações eles seriam eficientes. Não posso deixar de pensar no caso brasileiro, no fortalezense em particular (posto que aqui vivo), onde o descaso foi gradativamente tomando conta do sistema de controle de trânsito. Vivemos um caos total e vale a pena fazer um pequeno histórico de como isso começou a acontecer. É claramente um reflexo de decisões intempestivas tanto na formulação de leis como na implementação das mesmas. Vejam o caso de Fortaleza. Ao final dos anos 90, o Governo do Estado decidiu acabar com o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar visto que o mesmo estava envolto em denuncias de corrupção e de mau uso de dinheiro público. Bem sintomático da nossa forma de fazer política pública. Tem corrupção acaba com os órgãos. E aí? Quem fica no lugar? Os órgãos não eram necessários? Nesse caso a saída foi apressar a municipalização. Dada a falta de estrutura e inexperiência das prefeituras nessas atividades, estava criado o ambiente perfeito para o surgimento de um salvador da pátria: os equipamentos eletrônicos de controle de trânsito. Imunes a corrupção, eficientes em arrecadar dinheiro e fáceis de serem gerenciados (até mesmo com terceirizações). Ocorre que esses equipamentos não podem de forma alguma serem usados para substituir a presença das autoridades e do respeito que elas têm por obrigação impor (não vou nem mencionar a falta que fazem em termos de segurança pública). Gosto sempre de dar um exemplo de situação ocorrida comigo enquanto morava lá mesmo na França (mais de dez anos atrás). Vi-me, certo dia, trancando um cruzamento em um grande congestionamento. Naquele momento, um policial de moto, que passava em outra parte da avenida, fez um grande contorno para vir em minha direção. Deu-me uma tremenda de uma bronca, parou o trânsito e me fez dar “marche arrière” ao mesmo tempo que exigia que os carros atrás de mim me dessem espaço. Valor da multa: zero. Valor da vergonha: enorme. Dá para ficar desatento e fechar o cruzamento de novo? Há que se compreender que autoridades da lei (não só as de trânsito) têm obrigação de fazer valer suas prerrogativas de controladores sociais que lhes foram dadas pela sociedade. Nada os substitui e o constrangimento que podem eventualmente fazer um cidadão passar por estar em uma situação de delito tem um enorme peso educacional. Nenhum equipamento e nenhum valor de multa conseguem substituir isso. Vejam o que já escrevi sobre isso quando me refiro às políticas públicas no domínio da segurança pública implantadas por Antanas Mockus na Colômbia(clique aqui). As estratégias de Mockus em Bogotá configuram-se na maior iniciativa na direção de aumento do ambiente de controle social já tentada. Mockus costuma dizer que o cidadão de Bogotá (onde foi prefeito por duas vezes) tem mais receio de ficar envergonhado em público do que de levar uma multa. Isso é tão mais verdadeiro, quanto maior o poder aquisitivo das pessoas. O que dizer do caso em que as multas são aplicadas por máquinas !

2 comentários:

Anônimo disse...

Legal saber que no nosso país ainda existem pessoas civilizadas e que também ficam aterrorizadas tanto quanto eu com o regresso moral brasileiro.

Porém, no seguinte ponto:

(...) "Nada os substitui e o constrangimento que podem eventualmente fazer um cidadão passar por estar em uma situação de delito tem um enorme peso educacional." (...)


Eu discordo em parte, o brasileiro(odeio generalizar) não tem vergonha de fazer as coisas erradas, ele ignora, moral pra ele não existe, uma "prensa" de um guarda de trânsito desses não passaria de uma chateação, o infrator provavelmente ficaria com raiva e não enxergaria seu próprio erro, isso se o guarda de trânsito tivesse a ousadia de abordá-lo, porque a lei é para os outros nunca pra aquele que está cometendo o erro, se é que você me entende.

O guarda também deveria ser bastante ético e corajoso(ítem raro). Nos dias de hoje em que qualquer um pode tirar uma arma do colo e mandar um 'besouro sem asa' contra você. É cultural, o brasileiro infelizmente não tem educação suficiente para construir uma sociedade coerente, a única forma de fazer o brasileiro(vou tentar parar com essas generalizações) respeitar a lei é com uma punição severa , essa é a única linguagem que ele entende.

Opa! Mas espere, as autoridades não podem aplicar uma punição severa em qualquer pessoa, porque se for o filho do juiz não pode, se for o sobrinho do delegado também não, o marido da procuradora também não, porque obviamente eles estão acima da lei e com certeza são seres de uma raça superior que estão muito além de um mero guardinha de trânsito e que podem manipular a empresa pública que ele trabalha para destruir a vida dele.

Eu tento encarar as coisas com um certo otimismo as vezes, mas não dá. As pessoas daqui em média não têm o nível de cultura/educação que você tem Vasco e por isso essa punição moral para essas pessoas seria... como direi.. 'useless'.

De qualquer maneira, muito bom sua postagem. Amém para o que você disse.

Vasco Furtado disse...

Bruno,
Vc não deixa de ter razão. Mas não gosto de pensar que o brasileiro é assim ou açado e pronto. Já escrevi que o mesmo brasileiro deseducado aqui é bem cuidadosinho quando vai ao exterior. O que acredto na verdae é que o meio, o amiente tem uma influencia muito grande no comportamento das pessoas. Aqui encontra-se a grande qustão mas se o meio são as outras pessoas, como mudar o meio para mudar as pessoas. Ou seja, o que vem primeiro? É aqui que vejo a deficiência do poder público e onde me entusiasmo tanto com a cultura cidadão de Mockus (veja os textos que escrevi sobre isso). Há como induzir mudança de comportamento. Nem precisa ser educado no sentido formal. Todos os seres humanos são Maria vai com as outras. O desafio é conseguir fazer as outras para onde queremos.