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terça-feira, 25 de setembro de 2007

A Cabeça do Brasileiro

Já escrevi de meu entusiasmo ao ler o livro de Alberto Almeida “A Cabeça do Brasileiro” (clique aqui para ver meu texto anterior). Meu entusiasmo se deu principalmente pelo fato do livro trazer à tona um assunto que creio deve ser prioridade no Brasil: nossos valores. O livro busca compreender como eles estão internalizados através de uma pesquisa quantitativa. Agora, mesmo o mais entusiasmado dos leitores não pode deixar de concordar que o livro é extremamente polêmico por uma série de motivos. O mais importante deles, no meu ponto de vista, são as diversas conclusões tiradas pelo autor a título de interpretação dos dados coletados. Em grande parte dos assuntos os dados da pesquisa indicam resultados divergentes em função do nível de escolaridade dos entrevistados. Por exemplo, ao serem chamados a opinar sobre aspectos que medem o nível de patrimonialismo dos entrevistados como se concordam ou discordam com a seguinte afirmação “Já que o governo não cuida do público ninguém deve cuidar” chegou-se aos seguintes resultados. 50% dos analfabetos concordam com a afirmação, contra somente 2% dos que tem nível superior. Na grande maioria das questões um padrão mais progressista (chamado de moderno pelo autor) se apresenta nas respostas de pessoas de maior escolaridade em comparação com aqueles com menor escolaridade. Isso levou o autor à conclusão lógica de que os valores mais progressistas são em menor número no país, pois os menos escolarizados são em maior número. A conclusão é lógica, mas ela não permite uma inferência otimista em relação à classe de escolarizados. Ao analisar os dados mostrados no livro fiz algumas inferências que não vão na mesma direção das conclusões do autor. Primeiramente, devo dizer que senti falta de uma preocupação maior do autor quanto à fidedignidade das respostas dadas pelas pessoas de maior escolaridade. Em uma pesquisa onde se busca medir a cabeça do brasileiro, há que se considerar a hipocrisia que reina na sociedade (aliás a pesquisa que visava medir o “jeitinho” dão indicações disso). Esquivar-se da armadilha das respostas politicamente corretas às questões era uma obrigação. Essa preocupação existiu em algumas situações como quando o assunto pesquisado foi o racismo, mas não pude perceber o mesmo rigor em todos os temas. Independentemente dessa questão, podemos fazer leituras diferentes de outras conclusões. Na própria questão do patrimonialismo, ao serem questionados se “Cada um deve cuidar do seu e o governo cuida do que é público”, 53% dos que tem nível de escolaridade alta concordam contra 80% dos analfabetos. Como é possível ter uma visão otimista dos escolarizados diante desses números? Por viverem em um contexto em que as carências da sociedade são tão grandes, tinham obrigação de ter uma visão mais moderna. As respostas dos que tem escolaridade alta em relação ao “jeitinho” também merecem uma avaliação mais cuidadosa. É bem verdade que se encontra um correlação forte entre o nível de escolaridade e uma consciência maior de que o “jeitinho” é errado, mas os valores absolutos para os que são mais escolarizados estão longe de serem animadores. 48% dos que tem nível médio e 33% dos que tem nível superior acham o “jeitinho” certo. Creio que o debate sobre a questão só está começando. Acho fundamental que se compreenda mais o que essas respostas dos escolarizados querem dizer. Mas a princípio, elas me levam a uma avaliação bem mais cética do que a que foi apresentada no livro. Em alguns momentos os resultados evidenciam uma insensibilidade às demandas que a sociedade brasileira exige e aos problemas que a vida na mesma apresenta. É esta classe de escolarizados que tem a capacidade e a obrigação de realizar as transformações de comportamento de uma sociedade tão desigual. Não dá para dizer que a questão da transformação de nossos valores só se resume ao aumento do nível de escolaridade da população. Aliás, esse próprio objetivo e tanto outros de melhoria da sociedade ficam comprometidos sem uma transformação dos valores dos mais escolarizados.

6 comentários:

jedson disse...

educação e fundamental para todos os profissionais.As pessoas a meu ver não só no brasil tem se voltado mais para a questão do ter material...So para dar um exemplo hj mesmo foi em busca de informação com funcionários publico um deles estava atendendo as pessoas com um fone de ouvido pessoas assim ao meu ver não entendem a importância da educação nem do trabalho que esta fazendo...valorizando muito o ter material no caso os fones ate mais do que o trabalho!!

Anônimo disse...

Sou entrevistador de institutos de pesquisas de opinião há 15 anos e li o questionário do sociólogo Alberto Carlos de Almeida. Sei que sou um mero "coletor de dados", não faço análise de pesquisas. Mas ao ler o questionário percebi que ele usa a mesma linguagem dos jornais e revistas que os de nível superior costumam ler. É claro que essa gente achou que ficaria feio concordar com certas coisas. Não sei se vou conseguir explicar isso. Eu não tenho nível superior....mas vamos lá... perguntas sobre coisas obviamente erradas, mas que todos fazem, ou que é aceito como muito feio fazer, geralmente conduzem a pesquisas com resultados furados. Uma vez, numa pesquisa, eu entrevistei motoristas das classes A e B e perguntei se eles apoiariam o rodízio de placas de automóveis se o mesmo não envolvesse multa, se fosse apenas voluntário. A maioria respondeu que sim! Que apoiaria! Resultado publicado na Folha de São Paulo mostrou o mesmo índice de respostas nos questionários de todos os entrevistadores da equipe,com motoristas de todas as regiões da cidade e de todas as classes sociais. Eu duvido do resultado!!!! Nós entrevistamos, eles responderam, mas mentiram descaradamente!!A pergunta era muito ingênua. As pessoas queriam fazer bonito. Eu, um moço de óculos, cara de "intelctual",ou pelo menos "confiável", entrevistador do Datafolha, postado numa esquina da rua Estados Unidos, em São Paulo... Voltando a falar sobre a pesquisa polêmica do sociólogo, eu acho que os analfabetos seguer entenderam parte das perguntas do questionário ou então acharam que certas coisas são erradas por que eles não enxergam isso na prática. Uma doméstica chamando o pratrão de "você" e subindo pelo elevador social? Coitada! Ia perder o emprego. Não se vê isso na prática! Ou será que as empregadas não sobem porque não querem? Fico imaginado como responderia essa pesquisa pessoas como o juíz Lalau, o Collor, o Paulo Maluf, a dupla de "zés" - o Dirceu e o Genuíno ou mesmo o banqueiro Salvatore Cacciola!!!!É claro que eles saberiam como responder "bonito"! Eles sabem o que é "politicamente correto". Ma... e na prática? E olha que essa gente estudou mais o que o ensino médio, ou estou enganado?
André Felix

Vasco Furtado disse...

Andre,
Seus comentarios sao extremamente pertinentes. Um dos pontos criticos do trabalho de Almeida eh sobre a validade metodologica da pesquisa. Concordo plenamente que a pesquisa acaba sendo enviesada por respostas politicamente corretas. Ha um erro, dificil de quantificar, mas que certamente deve ser levado em conta nas avaliacoes. Por isso mesmo fiz uma leitura diferente da de Almeida. Acho que o "achado" mais representativo do livro refere-se aos resultados da classe media e alta. Nao da para se orgulhar de nada.

Anônimo disse...

Só tive conhecimento sobre esse livro agora. Mas realmente foram pertinentes as colocações do André. Apesar de ter curso superior vou fazer minhas as palavras dele sobre não saber bem como expor o que eu estou pensando mas vou tentar assim mesmo. Eu como integrante da classe média e pertencente a uma pretença elite intelectual por ter curso superior e ser leitor tive num primeiro contato uma impressão boa sobre o livro. Acho que qualquer trabalho que tente entender o povo brasileiro é bem vindo. Mas, pesquisando na internet e pensando um pouco mais, até dentro de um contexto atual, tenho dois sentiementos. Um que pela distância que estamos da ditadura militar a sapiencia brasileira esta começando a mostrar o lado conservador, que ficou irrustido por causa da ameaça a democracia. Dois que os fenômenos ocorridos a partir da década de 90, também decorridos do tempo do fim da ditadura, observados principalmente na cultura, onde ritmos marginais assumiram a mídia estão mostrando frutos. Entender o que esta acontecendo passa por várias dimensões mas vou me restringir a essas duas. Acredito que uma parte da população sempre marginalizada começa a aparecer e isso incomoda as elites e essas reagem. Por outro lado varios intelectuais começam a mostrar sua parte conservadora, fazendo uma análise apenas do seu ponto de vista, sentado na frente do seu nootebook vaio com ar-condicionado. Oriundos de uma classe média, na sua maioria não compreende o grosso da população. O André pôs bem, e eu concordo com ele em gênero e grau, será que essa pesquisa não demonstra que o brasileiro mais eudcado é também mais hipócrita? Ou melhor dizendo, para evitar eufenismos com relação a população menos erudita, será que diante dessas perguntas uma pessoa menos esclarecida não tenderia a ser mais honesta? Essa história de farol da modernidade fica muito difício de aceitar. Acho que fácil é você deitar no seu sofá e simplesmente ligar a tv e deixar que eles pensem por você. Ou mesmo que usem essas análises tendenciosas de pesquisas que podem ter sido feitas até com certa seriedade. Mas a internet ajuda muito a ver outros pontos da questão.

Noé disse...

Será que, justamente por ser tão divergente da nossa expectativa média, este livro não merecia mais atenção, mais busca e estudo?
abraço,
Noé

Vasco Furtado disse...

Claro que sim Noé,
Acho que o livro merece muita análise, crítica e outros livros na mesma direção.