A capacidade de se indignar e de se manter indignado é fundamental para a saúde de uma sociedade. Mas isso não é nada fácil. Faz parte da natureza humana, a racionalização, pois nos libera das tristezas causadas pelas “coisas que (pensamos) não podemos mudar” ou somente porque queremos esquecê-las. Creio que racionalização é especialmente importante para nós brasileiros que temos a felicidade como valor tão fundamental.
O exemplo mais marcante de indignação que vivenciei aconteceu logo depois de minha volta dos EUA quando lá residi por mais de um ano. Fomos, minhas filhas e eu, de carro a uma farmácia e ao sair de lá, formos abordados por uma jovem mulher que tinha uma criança chorando no colo. Ela me pedia dinheiro para comprar um remédio enquanto mostrava-me a filhinha doente. Ao sair do local, percebi que minha filha (de 17 anos então) chorava muito.
Ao perguntar-lhe o que tinha acontecido, só escutei como resposta “não é justo, não é justo”. Aquilo me chocou tanto que nem me lembro muito dos argumentos que encontrei para racionalizar tudo. Só me lembro que foi exatamente o que tentei fazer. Nunca me esquecerei de sua indignação sincera e pura. Não estava acostumada com aquele contexto e indignava-se com o que via. Não creio que isso ainda ocorra hoje em dia, quatro anos depois. Provavelmente aprendeu a racionalizar, mas me marcou.
É uma estória que sempre me vem a mente quando vejo as crianças dormindo ao relento nas cidades brasileiras. Lembro-me ainda do marcante monumento ao holocausto bem no coração de Berlim. São pedras enormes como túmulos que são dispostas em uma enorme área. Ao todo, perfazem 90 mil metros quadrados com 2711 lápides de concreto cinza. Um projeto de 27 milhões de euros. Só para não deixar a sociedade esquecer e lembrar que é preciso se indignar. Temos a difícil tarefa de alimentar nossa indignação.
* Artigo escrito na coluna Opinião do Jornal O Povo em 29/11/2011
* Artigo escrito na coluna Opinião do Jornal O Povo em 29/11/2011