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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Capacidade de Indignação

A capacidade de se indignar e de se manter indignado é fundamental para a saúde de uma sociedade. Mas isso não é nada fácil. Faz parte da natureza humana, a racionalização, pois nos libera das tristezas causadas pelas “coisas que (pensamos) não podemos mudar” ou somente porque queremos esquecê-las. Creio que racionalização é especialmente importante para nós brasileiros que temos a felicidade como valor tão fundamental.

O exemplo mais marcante de indignação que vivenciei aconteceu logo depois de minha volta dos EUA quando lá residi por mais de um ano. Fomos, minhas filhas e eu, de carro a uma farmácia e ao sair de lá, formos abordados por uma jovem mulher que tinha uma criança chorando no colo. Ela me pedia dinheiro para comprar um remédio enquanto mostrava-me a filhinha doente. Ao sair do local, percebi que minha filha (de 17 anos então) chorava muito.

Ao perguntar-lhe o que tinha acontecido, só escutei como resposta “não é justo, não é justo”. Aquilo me chocou tanto que nem me lembro muito dos argumentos que encontrei para racionalizar tudo. Só me lembro que foi exatamente o que tentei fazer. Nunca me esquecerei de sua indignação sincera e pura. Não estava acostumada com aquele contexto e indignava-se com o que via. Não creio que isso ainda ocorra hoje em dia, quatro anos depois. Provavelmente aprendeu a racionalizar, mas me marcou.

É uma estória que sempre me vem a mente quando vejo as crianças dormindo ao relento nas cidades brasileiras. Lembro-me ainda do marcante monumento ao holocausto bem no coração de Berlim. São pedras enormes como túmulos que são dispostas em uma enorme área. Ao todo, perfazem 90 mil metros quadrados com 2711 lápides de concreto cinza. Um projeto de 27 milhões de euros. Só para não deixar a sociedade esquecer e lembrar que é preciso se indignar.  Temos a difícil tarefa de alimentar nossa indignação.


* Artigo escrito na coluna Opinião do Jornal O Povo em 29/11/2011

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Titanzinho é Aqui

Semana passada fui a Brasília fazer uma palestra na Conferencia de Desenvolvimento (CODE)  na trilha em que se discutiu a Economia Criativa. Uma viagem marcada pelos imprevistos que nem valem ser relembrados.

O mais importante foi a oportunidade de expor sobre o projeto financiado pela FUNCAP à UFC e comunidade do Serviluz para o Titanzinho. Só tinha informações superficiais sobre o projeto, mas como tinha que apresenta-lo fui obrigado a pesquisar mais sobre ele.

Me encantei. A ideia é agregar valor às atividades realizadas por membros da comunidade que vivem em torno do surf. O projeto prevê formação profissional e a criação de uma fábrica de pranchas de surf e de moda surfwear.

Acabei conhecendo também um vídeo feito pela Regina Cazé na série Minha Periferia no Fantástico que descreve bem o contexto do Titanzinho (veja o vídeo aqui). Fiquei admirado com a determinação de João Carlos “Fera”, um homem determinado que abraçou a causa da educação e da prática do esporte como forma de ocupação da juventude e resgate da cidadania. 

Conheçam um pouco mais sobre o projeto no vídeo abaixo. Espero que sintam-se como eu, orgulhoso de ter essa riqueza de cultura, gente boa e vitoriosa. Por mais carentes que as comunidades forem, há muito que os governos podem fazer com pouco. Basta somente potencializar os dons e virtudes das comunidades. Não há estaleiro que pague.

domingo, 27 de novembro de 2011

Deveras Lisonjeado!

Acostumamo-nos a criticar os políticos. Eles bem que fazem por onde! Mas nunca podemos esquecer o quão importante são as instituições que representam a democracia. E parece mesmo que não o fazemos.

Percebi isso quando, semana passada, recebi uma carta da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (veja-a abaixo) me congratulando por um artigo escrito no jornal O Povo intitulado Impunidade e Imunidade (veja o artigo aqui. Confesso que fiquei muito lisonjeado. Um agradável sentimento de estar contribuindo com a sociedade. E contribuindo com aquilo que me é tão singular: minha humilde opinião.

Fiquei ainda mais contente quando soube que a iniciativa havia partido do Deputado Heitor Ferrer, alguém que tenho admiração e respeito pela forma como trata seus mandatos (e em consequência seus eleitores). 

Não posso deixar de registrar a reação de uma de minhas filhas ao saber da homenagem. Perguntou, “a troco de quê?”. Disse-lhe que nada tenho a dar-lhes  em troca, mas só o fato de terem lido o que escrevi, quer concordem ou não, já me parece muito valioso. O assunto é por demais importante e eles, nossos representantes, não podem se omitir.

Desde quando decidi escrever esse blog e depois em outros fóruns que convidam para que exponha minhas crônicas, vesti a carapuça de que tinha um papel a exercer nessa sociedade. Nada me foi imposto, nem pedido. Arco com os bônus e ônus (que são em maioria). Hoje regozijo-me com um pouco do bônus. Obrigado Excelentíssimos.


terça-feira, 22 de novembro de 2011

A Cultura da Transparência: Safety Alert

Quando estive em Troy, NY recentemente, chamou-me atenção ao chegar no prédio do laboratório que fui visitar no Rensselaer Polytechnic Institute um cartaz pregado na porta. Parecia um aviso, mas tratava-se mesmo de um alerta, um safety alert. Era um alerta de que dias atrás havia acontecido um roubo nas redondezas do prédio.

Havia uma descrição detalhada do que ocorrera com inclusive as características dos autores que aparentemente portavam alguma arma. Pedia-se, além de cuidado, que se alguém soubesse algo sobre os suspeitos informasse ao setor de segurança da Universidade. Vejam abaixo a foto que tirei do cartaz.

Vejam bem, trata-se de uma universidade privada. Creio que aqui no Brasil o mais comum seria querer encobrir o que aconteceu, não? Mas a percepção de que as pessoas têm o direito de saber o que aconteceu para protegerem-se e ainda de que são as pessoas que podem ajudar a resolver o problema é o que prevalece. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Simpósio Brasileiro de Sistemas de Informações

Sinto-me deveras honrado por ter recebido o convite dos organizadores do VIII Simpósio Brasileiro de Sistemas de Informação para ser um dos dois palestrantes convidados. A temática do Simpósio é a de Cidades Inteligentes. Segue o resumo do que pretendo apresentar e que intitulei de "Cidades inteligentes e Participação Cidadã". Maiores informações sobre o simpósio, inclusive sobre a outra palestra convidada que será ministrada por Jurij Paraszczack pesquisador da IBM nos EUA e diretor do programa de cidades inteligentes da empresa podem ser encontradas aqui.


A Web social e a computação móvel moldam novas formas de comunicação entre as pessoas e abre igualmente espaço para o aparecimento de novas modalidades de participação popular. Paralelamente a este contexto, o clamor popular por publicidade e transparência vem induzindo os governos à abertura de seus dados. A sinergia entre esses dois fatores é determinante para o aparecimento de sistemas de informações ubíquos que realizam acesso imediato à informações determinantes para o cotidiano dos cidadãos e permitem a interação extemporânea entre os cidadãos e governos.

O desenvolvimento de sistemas de informações dentro desse contexto, se por um lado requer expertise sobre as novas tecnologias que surgem, por outro lado, em função do grande volume de dados a disposição, é desejável que possa ser feito inclusive pelos próprios usuários. Torna-se assim, cada vez mais relevante a criação de ferramentas para o fácil desenvolvimento, pelo próprio cidadão de aplicações que fomentem a participação.

Em minha apresentação detalharei os meandros desse contexto e os desafios que ele impõe no tocante ao desenvolvimento de sistemas de informações. Em particular, discorrerei sobre como o processo de participação popular pode ocorrer através de mapas colaborativos e do uso destes em smartphones. Mapas colaborativos são aplicações que envolvem o conceito de participação, interação e localização geográfica. Exemplos na área de segurança pública, poluição sonora e limpeza urbana serão dados.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

RPI: O Instituto de Van Rensselaer

Semana passada em uma missão a trabalho, em que prospectei possibilidades de parcerias com o Estado, tive a feliz oportunidade de conhecer o RPI (Rensselaer Polytechnic Institute). Mais especificamente fui ao Tetherless World Constellation (TWC), um dos laboratórios de pesquisa em Web Semântica mais reconhecidos dos EUA.

O RPI é a mais antiga instituição de nível superior de língua inglesa. Isso mesmo, é mais antiga do que as universidades inglesas. Localiza-se na cidade de Troy no Estado de New York e está a cerca de 3 horas de carro de Manhathan. Foi ofertada à sociedade americana pelo riquíssimo holandês Stephen Rensselaer, um dos dez homens mais ricos dos EUA naquela época.

O campus hoje é lindíssimo. Uma deslumbrante mistura de arquitetura clássica e moderna. Disseram-me que o RPI durante muito tempo foi a universidade mais conceituada do leste dos EUA. Troy era muito rica, pois situava-se no centro das rotas comerciais fluviais que existiam no rio Hudson. No entanto, a força do RPI estava no ensino. Outras universidades como o MIT perceberam logo que a reputação de instituições acadêmicas seria muito mais baseada na pesquisa do no ensino. RPI perdeu um pouco de terreno, mas continua sendo muito reputado. Está entre as cinquenta melhores em rankings diversos.

Minhas reuniões ocorreram no TWC onde fui recebido pelos professores Deborah McGuinnes e Jim Hendler.  Dentre as pesquisas que eles desenvolvem na área de web semântica, o desenvolvimento de ferramentas para apoiar a publicação de dados abertos governamentais tem particular relevância. Dentre as iniciativas, não deixe de dar uma olhada no catalogo internacional de banco de dados governamentais abertos aqui.
Nesse projeto você pode buscar onde estão bancos de dados sobre um certo assunto. Só encontrei dois arquivos vindos do Brasil. A área de saúde como sempre tem uma cultura de prevenção muito mais desenvolvida. Um dos arquivos é sobre estatísticas de mortalidade e nascidos vivos. Veja mais aqui  

Um detalhe importantíssimo é que esse tipo de busca nem o Google consegue responder a contento! Isso é, no entanto, assunto para um próximo texto. Fiquem com algumas fotos do RPI no outono.





Prédio do TWC



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Governo Aberto nos EUA e Além

Minha ida aos EUA na semana passada foi dividida em duas etapas. A primeira foi a apresentação de um artigo científico escrito com Júlio e Henrique sobre dados abertos no contexto da Segurança Pública. A outra refere-se a minha visita ao RPI (Ressenlaer Polytechnic Institute) em New York. Vou escrever sobre as duas atividades em dois textos separados.


O AAAI Workshop Open Government Knowledge - OGK (Conhecimento e Governo Aberto) aconteceu em Arlington, arredores de Washington, D.C e reuniu pesquisadores de vários países para discutir métodos e técnicas em computação, mais especificamente na área de Inteligência Artificial, e suas aplicações em governo aberto. A programação completa e os slides dos apresentadores podem ser encontrados aqui


Além das discussões e apresentações técnicas gostei bastante das palestras de convidados. Em particular, Jeanne Holm a coordenadora do site http://data.gov e Abdul Shaikh do http://health.data.gov detalharam as iniciativas do governo americano, as estratégias usadas para fomentar a participação e os desafios que ainda existem.


Minha percepção é de que o programa já é um absoluto sucesso embora ainda exista muito a ser feito. Já são mais de 400.000 arquivos disponibilizados no site. Isso é muito, mas Jeanne Holm fez algumas estimativas de que isso é só cerca de 5% do total. O ponto mais relevante que identifiquei é a decisão de vincular o programa ao conceito de inovação. Os americanos sabem mais do que qualquer um no mundo que as finanças são fator motivacional importante. Vou elaborar um pouco mais sobre onde os conceitos de governo aberto e inovação se aproximam. Por enquanto, quero somente enfatizar que dados abertos pelos governos podem ser fatores indutores de projetos inovadores.


É exatamente esse o fato que o governo americano tem explorado na área de saúde. Vários projetos são construídos a partir de competições onde o governo chama a população para explorar os dados governamentais abertos. Vários exemplos de como isto está sendo feito podem ser encontrados aqui.


Depoimentos de representantes de outros países foram raros, mas tive oportunidade de conhecer uma iniciativa brasileira que começa a nascer. Apresentei no Workshop uma proposta para padronizar a abertura de dados criminais na Web. Essa proposta será apresentada no Rio de Janeiro essa semana na conferência da Web patrocinada pela W3C no Brasil. Veja mais aqui. Em breve falo mais sobre o tema.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

“This Country has a lot of problems”

Essa frase reproduzida no título deste post é dita nas TVs americanas a todo momento pelas pessoas que discutem a situação econômica e política dos EUA. Eleições chegando, esse tipo de discussão só aumenta. Ela demonstra bem o nível de pessimismo dos americanos.

Meu termômetro mais fiel para medir a temperatura da crise é uma ida ao shopping. Fiz isso no sábado à tarde em Arlington (vizinha de Washington, D.C). Impressionante. Não havia ninguém comprando. Promoções e mais promoções, mas pouquíssimos clientes.

Quando no caixa para realizar o pagamento, avistei de longe uma revista com o nome BRAZIL em letras garrafais na capa. Não pude deixar de conferir. Embaixo havia “Now it is the time to invest” (agora é o tempo de investir). Tirei inclusive uma foto. Vejam abaixo. Isto é que se chama “Momentum”. Não podemos perder a oportunidade.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ruth’s me Segue?


Fiquei impressionado com o que me aconteceu ontem. Assim que cheguei em Washington, DC, acessei a Internet do hotel em que estou hospedado. Por coincidência, chega-me um email fazendo propaganda do restaurante Ruth’s Chris. Detalhe: não me lembro de receber esses e-mails, nem de fazer parte de uma mala direta desse restaurante. 

O Ruth’s é um excelente e refinado restaurante que frequento sempre que vou a um lugar onde ele existe. Nos EUA, ele não está presente em todas as grandes cidades. Ou seja, a propaganda até que é útil para um cliente como eu que gosta do restaurante, mas o que me incomodou sobremaneira é a dúvida sobre como o Ruth’s soube que eu estava em Washington. 

O restaurante parece ter conseguido acesso a alguma base em que coloquei minha localização. Qual? Seria a do Google, da Apple, do Hotel, da companhia aérea? Não sei e não acredito que consiga descobrir facilmente. Só espero que não seja o banco de dados da imigração americana J Dias difíceis para a privacidade dos internautas, não?

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Impunidade e imunidade

A sensação de impunidade permeia nossa sociedade. Esse sentimento difundido parece que tira nossa  capacidade de uma análise racional sobre causas e soluções. Por exemplo, todas as vezes em que se cogita estabelecer penas alternativas e mais brandas para casos de menor poder ofensivo escuto clamores de que mais impunidade ocorrerá.  

À primeira vista, a ideia de liberar quem cometeu ilicitudes pode levar-nos  imediatamente a pensar em impunidade. Mas será que isso é mesmo assim tão lógico? Um dos princípios básicos de um sistema coercitivo, em sistemas democráticos pelo menos, é de que a pena por um ilícito deve guardar proporção com o dano causado pelo mesmo.  Esse princípio existe de fato hoje? Não me refiro nem ao arcabouço legal, mas à dura realidade de pessoas (a grande maioria de jovens pobres) que se amontoam em cadeias e que via de regra pagam muito caro pelo que fizeram.

Aqueles que defendem leis mais rigorosas precisam compreender que o grande problema é que nosso sistema hoje já é, de facto, rigoroso. Na verdade, demasiadamente rigoroso e ainda por cima injusto. Ao se tratar da mesma forma aqueles que cometeram delitos de menor poder ofensivo e aqueles mais perigosos, por exemplo, se está alimentando um círculo vicioso da violência. Os agressores vão se “escolando” no crime e também, por saberem que não terão punição muito diferente se forem homicidas ou meros batedores de carteira, tornam-se cada vez mais violentos. 

As deficiências crônicas e históricas do Estado em seu papel socializador e ressocializador acabam por aniquilarmos a esperança de que há solução por outras vias que não exclusivamente a repressão. Políticas e leis que levem o Estado a agir com foco na prevenção e ressocialização são fundamentais, mas para isso ocorra é preciso imunidade à discursos fáceis e contra-produtivos.

* artigo publicado hoje no jornal O Povo, coluna Opinião