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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Podemos nos sentir mais seguros com o Ronda do Quarteirão?

Semana passada o Jornal O Povo fez essa pergunta a dois especialistas. Cheguei também a ser consultado, mas como tinha muito pouco tempo para elaborar a resposta e tinha dúvidas sobre o que ela visava mesmo saber, tive que declinar de fornecê-la. Como não quero ser acusado de omitir-me quando consultado sobre assunto que me é de particular interesse, assumo essa responsabilidade aqui. Permite-me expor minha opinião de forma mais extensa.

Não se trata de pergunta simples para ser respondida responsavelmente. Já escrevi sobre o fenômeno da sensação de (in)segurança. Trata-se de algo dificílimo de ser apreendido e nem sempre dará indicadores de que uma política de segurança pública está correta ou não. Além disso, quando me foi perguntado se “podemos nos sentir seguros”, interroguei-me se não seria por demais prepotente dizer como acho que os outros podem se sentir.

Se o objetivo da pergunta é o de refletir sobre os avanços tidos no Ronda do Quarteirão durante esses quatro anos de implantação, creio que hoje já é possível buscar elaborar uma resposta, embora também não se trate aqui de resposta simples. Objetivamente, só se pode medir um programa sob a luz dos objetivos que ele visa atingir e sabe-se quais indicadores mostram que esses objetivos foram alcançados. Objetivamente, sucesso em segurança pública, mundialmente, se mede pelo acompanhamento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Se fizermos uma análise do Ronda então somente por essa ótica, ele é decididamente um fracasso. Esse número só aumentou nos últimos anos e creio que ficaremos todos(inclusive o governo) muito felizes se conseguirmos trazê-lo de volta ao patamar do início do Ronda.  

Mas mesmo assim, recuso-me a parar a análise somente sob essa perspectiva. Afinal, há sempre espaço para alguém argumentar que i) há outros objetivos no Ronda que num primeiro momento podem não resultar em melhorias objetivas a curto prazo, mas que podem acontecer a longo prazo, ii) a taxa de homicídio poderia ser maior se não houvesse o Ronda e iii) há outros indicadores que podem indicar melhorias.

Vamos então buscar analisar o programa sob uma perspectiva diferente e que me parece também estava presente no início do Ronda. Houve acenos de que o programa seria uma polícia comunitária ou, como o Secretário Monteiro chamava de polícia de proximidade (já discuti sobre isso aqui). Com esse modelo teríamos uma polícia mais bem treinada e respeitosa dos direitos do cidadão. Policiais educados pareciam conquistar os cidadãos. Já descrevi como considero isso desfocado e até hipócrita aqui. Novamente, retomo a questão dos indicadores. Quais são eles para que se possa dizer que o programa foi bem sucedido sob esse ponto de vista? O índice de letalidade da polícia cearense diminuiu com o Ronda? Dito de outra forma: a polícia mata menos? Desconheço esse indicador. Se a polícia o possui, não o divulga.  Veja mais sobre como esse é um problema no País aqui.

Há algum outro indicador de qualidade do trabalho do policial que indique maior qualidade no que faz? Desconheço. E aqui vale uma pergunta a profa. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Violência - LEV), uma das entrevistadas pelo O Povo. Ela  respondeu que acredita que hoje " o ronda dispõe de equipes policiais consideravelmente experientes" e que por isso podemos nos sentir mais seguros. Mas essa experiência é algo positivo? Pode-se dizer que estão implantando uma nova mentalidade ou aprenderam na rua com os que lá estavam?? Não tenho dados para achar que essa mudança de mentalidade é o que ocorre. Tenderia a achar que o que ocorreu com aqueles que compunham as primeiras turmas, que foram para a rua com pouquíssimo tempo de treinamento,  é exatamente o oposto (veja a tragédia que isso causou aqui). Mas não quero deixar meus sentimentos contaminarem meus argumentos. Se há algo de concreto que fortaleça a opinião da profa., queria muito conhecer. 

A taxa de homicídios seria maior se não houvesse o Ronda? Essa pergunta é ainda mais difícil de responder. Na verdade, essa taxa no Ceará vinha se mantendo estável (em patamar alto, é verdade) nos últimos 10 anos. No final do governo Lúcio Alcântara houve um pequeno aumento. Impossível dizer se era prenuncio de uma ascensão meteórica que seria ainda maior sem o Ronda. Mas é pouco provável.

Há outros critérios que merecem ser analisados? Por exemplo, parece ser consenso na população de que há maior visibilidade da polícia. Vê-se muito mais polícia do que antes. Mas isso é indicador de resultado? Há algum estudo específico que associe essa maior visibilidade a uma redução da violência ou da violência que seria potencializada sem a presença? Desconheço. Certamente esse fator é impactante na sensação de segurança. A população sente-se mais segura quando vê a polícia. Isso é bom, mas tem seus limites (já comentei sobre isso aqui). Principalmente se os casos de abuso de autoridade aumentam (novamente aqui solicito a divulgação desse número que não é transparente).

No final de tudo, caro leitor, devo dizer que essa análise que faço é propositadamente incompleta sob alguns pontos de vista, porque o Ronda é só um programa e a Segurança Pública exige uma política. É algo muito maior e que perpassa até os próprios órgãos subordinados à Secretaria de Segurança. Mas uma coisa posso afirmar categoricamente. Se não houver um trabalho consistente de definição e acompanhamento dos indicadores que permitem avaliar os objetivos do sistema de segurança, não se pode responder responsavelmente às perguntas feitas pela mídia e pela sociedade. E esses indicadores devem ser acima de tudo, transparentes. Se isso acontecer, a própria pergunta feita pelo jornal deixa de fazer sentido, pois ela terá resposta imediata com o simples acompanhamento público dos indicadores que mostram ou não o atingimento dos objetivos almejados.

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