Fomos ao jogo, Beth e eu, depois de ter tentado em vão
transferir o ingresso dela. Depois do show do Paul, era compreensível que não
ela não quisesse ir mais ao Castelão. Ainda por cima para assistir futebol, o
que decididamente não a encanta tanto.
Não consegui transferir o ingresso o que serviu para
indignar-me mais ainda com a FIFA. Estou a procurar um exemplo do tão
propalado padrão FIFA. Filas na entrega dos ingressos, site cheio de bugs, com
péssima usabilidade e ainda com a impossibilidade de escolher o local onde se
quer sentar mostram que, antes de exigir das autoridades brasileiras, a FIFA
tem que fazer seu dever de casa. Sugiro umas aulinhas particulares com a NBA.
O dia do jogo não começou muito bem para mim. Fui jogar
basquete e machuquei o joelho (coisa de atleta Master L ). Ao voltar para casa de
bicicleta, como habitualmente (nem tanto, pois o joelho acusava), identifiquei
um ponto de parada de ônibus, que supostamente deveria coletar torcedores da
região da Beira-mar para levar diretamente ao Castelão. Ficava a poucos metros
de nossa casa e por isso decidimos ir de ônibus. Começava minha Odisseia.
13:30 chegamos ao ponto de ônibus. A fila de torcedores, em
sol a pino, já estava formada e, embora não muito grande, foi suficiente para
apresentar-me ao que me esperava. Detalhe: o suor começou a descer e o joelho
começou a incomodar.
14:10 O ônibus chega enfim! Lota rápido. Eu e Beth quase não
conseguíamos entrar. Sempre cabe mais um com jeitinho. Deu até nostalgia do
tempo em que ia ao Náutico nos domingos. Ressalto, nostalgia, mas não foram
saudades.
14:20 Ônibus lotado, muito grito e vaias. Aquele grito e
vaia típico de cearense. Bem moleque. Beth se divertia. O joelho inchava. O
motorista ainda tenta parar em outra parada. Muita gritaria. Não cabe mais
ninguém! Ele continua e dobra na Desembargador Moreira em direção ao Castelão.
14:30 Percebo algo errado. Estávamos indo em um caminho que
levava diretamente à passeata. Grito para o motorista: “É esse caminho mesmo?”.
Ele nem responde. Peço permissão a alguns e chego do lado dele. Pergunto-lhe se
ele não sabe que está havendo uma enorme manifestação bem à frente. Ele disse
que sim. Insisto. “Qual é sua rota?” – “É essa mesmo Doutor.”. Pegou um
papelzinho do bolso, leu em voz alta: “vá na Abolição, dobre na Virgílio Távora
e siga em frente”. Ops! Falha. Alertei-lhe, não sem uma certa irritação, que
ele não tinha dobrado na Virgílio Távora, mas na Desembargador Moreira.
14:35 Viro copiloto do ônibus. Começando com um balão nada
fácil de ser feito na Raul Barbosa, começamos a voltar para pegar a rota do
Iguatemi e Rogaciano Leite. Sorte nossa que o engarrafamento foi pequeno.
Quando na Rogaciano Leite, o motorista me disse: “É por aqui mesmo Doutor.
Agora estou lembrando do caminho”. Aha!
14:45 Chegamos na Oliveira Paiva. Tudo parado. Olhei no
Google Maps. Estávamos a 4,3 km do Castelão. Comecei a me preparar para andar.
Era só o que podíamos fazer. A Polícia havia bloqueado a entrada dos ônibus,
pois os manifestantes estavam planejando mudar de local. Recebemos o alerta:
“Desçam e corram” (só faltou o “negrada”). Correr como? O joelho tinha inchado
muito e até andar estava difícil. Detalhe novamente: não há como esquecer que
estamos na Terra do Sol.
15:10 Momento mais tenso. Vi-nos andando (não conseguia
correr) em direção ao Batalhão de choque e à frente da passeata. Gritos de
ordem dos dois lados. Alguns começaram a dizer “tão atirando!”. Até tenho
simpatia pelos movimentos populares, mas confesso que não era exatamente
daquele que tinha planejado participar. Se tivessem tirado uma foto desse
momento, tenho certeza que pareceríamos líderes à frente da multidão. Começamos
a rir. Tinha outra coisa a fazer?
15:20 Estávamos no meio da multidão. Como não conseguia
correr, a passeata nos envolveu. Chegando à linha de frente, uns organizadores
da passeata disseram para abrir espaço para os que queriam assistir o jogo. Até
que enfim uma voz de bom senso no meio de um coro eclético de jovens já com
máscaras e óculos para se proteger dos gases e sprays que pareciam ter certeza
de que viriam.
15:25 Passamos da cavalaria com alguns outros retardatários mostrando
os ingressos.
15:40 Chegamos ao estádio. Nosso assento era bem na frente
daquele que havia nos acompanhado durante toda essa jornada: o sol.
16:00 Cantamos, ou melhor, gritamos o hino. O melhor momento
de todos. Hoje, indo de táxi para o aeroporto em São Paulo, ouvi do taxista o
quanto ele tinha se emocionado com a forma como cantamos: “Vocês, lá em
Fortaleza, emocionaram a gente com aquele hino”. Ele disse que havia gravado na
Internet e escutava de vez em quando com os filhos. Só então percebi o impacto
nos outros que não estavam lá. Não falarei do jogo. Dele vocês já sabem tudo.
16:10 Beth olha pra mim e diz rindo: “Você está derretendo
como picolé”. Sem comentários.
16:30 O sol nos deu ciao.
Não lamentei nem um pouquinho.
17:40 Decidimos sair. O jogo estava 1 a 0. Meu joelho era
uma bola, só não tão grande quanto a que o Neymar estava jogando. Não sabia
como conseguiria andar, entrar no ônibus, enfim, fazer o trajeto de volta.
18:00 Na caminhada, encontrei com velhos amigos que nos
acompanharam e que me ajudaram a esquecer do joelho. Vimos o cenário de
destruição oriundo da batalha entre manifestantes e polícia. Soubemos que tinha
sido antes mesmo do jogo ter iniciado. Ou seja, logo após nossa passagem.
18:15 Encontro um táxi parado no meio do nada (nem sei como
ele conseguiu entrar naquela região). Proponho, sem muita esperança, uma
corrida. Ele aceita. O salvador da pátria. Tinha marcado para pegar um grupo
que já tinha lhe pago.
19:00 Chegamos em casa. O taxista havia acabado de receber um
telefonema do grupo. Eles o esperavam. Vai dar tempo de voltar. A corrida foi
R$ 40,00. Ainda tive fôlego para brincar com ele e dizer-lhe que não pagaria
isso. Dei-lhe, na verdade, tudo que tinha na carteira cerca de R$ 70,00. Estava
morto.
Agora lhes pergunto: “dá pra colocar culpa na idade?”. Só
sei que Ariano Suassuna tem razão quando diz (me foi contado por Luis Eduardo
Menezes) “o que é ruim de viver, é bom de contar”.