Volto ao tema
das belas calçadas de Fortaleza. Comecei a discorrer sobre o mesmo semanas
atrás, depois de ter lido uma matéria do jornal O Povo sobre uma pesquisa feita
pelo Mobilize Brasil. Nela algumas calçadas de Fortaleza são consideradas pelos
entrevistados como as melhores do Brasil.
A pesquisa foi
feita por uma OSCIP(Organização da Sociedade Civil de Interesse Público),
fundada em 2003, e que atua nas áreas de educação, cultura e cidadania, chamada
Associação Abaporu, organização sem fins lucrativos que lançou o projeto
Mobilize Brasil. Não pude conseguir maiores detalhes sobre a OSCIP.
Concluir que
Fortaleza tem as melhores calçadas do País é um contra-senso tão grande que logo
a notícia virou piada nas redes sociais. Achei que a estória ia parar por aí
mesmo, mas quando li o artigo da prefeita Luizianne Lins se vangloriando das
calçadas da cidade e usando a pesquisa em questão, decidi escrever ao portal
Mobilize Brasil para pedir maiores informações. Passados 15 dias, as respostas
não vieram. Estimo que não virão e por isso decidi escrever o que penso
independentemente das mesmas.
Não se pode
lançar mão de informações feitas em pesquisas de opinião sem a mínima
preocupação em compreender a forma como elas foram realizadas, pois isso vai
impactar nas conclusões que podem ser tiradas. Infelizmente isso não faz parte
da prática jornalística da maioria da mídia cearense. Reconheço que isso dificulta
sobremaneira o trabalho e muitas vezes os meandros desse mundo, por mais que
questionados, não são totalmente desvendados. Mas na maioria das vezes, não se
precisa de muito detalhe.
Voltemos à
questão das calçadas e foquemos primeiramente em um aspecto: o da
escolha de que calçada será o alvo da pesquisa de opinião com os cidadãos.
Trata-se de uma variável fundamental. Uma metodologia seria pegar o total de
ruas da cidade e sortear aquela a ser investigada. Isto daria uma visão mais
neutra da qualidade das calçadas independentemente de qualquer critério e a
deixaria livre de um “bias” (termo em inglês comumente usado para dizer que a
pesquisa está viciada). Assim, supondo que Fortaleza tem em torno de 50.000
ruas, a probabilidade de escolher a Bezerra de Menezes (rua que acabou de
sofrer serviços de reparação da prefeitura) seria de 1 em 50.000. Pois não é
que a Bezerra foi justamente uma das ruas investigadas ! Muita sorte da
prefeitura, não (azar o nosso)?
Outra variável importante
é a quantidade de calçadas a serem pesquisadas. Qual o valor que pode ser
considerado significativo para que, ao final da pesquisa, possa-se dizer com algum
grau de certeza de que os resultados referem-se à cidade em geral? Não vou
entrar em detalhes das técnicas estatísticas que podem ser usadas, mas não
precisa ser especialista para perceber que uma pesquisa feita em 7 ruas não
parece ser muito representativa das 50.000 que compõem o total. O mesmo tipo de
raciocínio se aplica à quantidade de pessoas que responderam às perguntas, a
forma como elas estavas escritas, a ordem das perguntas, etc. etc.
O mais
interessante disso tudo foi o artigo da prefeita Luzianne logo em seguida o
lançamento da matéria. Ela aproveitou a onda, mas foi bem mais inteligente do
que poderíamos esperar. Compreensível! Ela já tinha cometido uma gafe horrível que apontei aqui quando vangloriou-se em cima de um estudo errado. Ao
ler o título do artigo, cheguei a pensar, que ela iria cometer o mesmo erro de
novo. Mas, não. Desta vez ela disse em seu artigo em resumo que a pesquisa
feita nas calçadas que a Prefeitura tinha acabado de renovar, indicavam que a
decisão tinha sido correta e que o trabalho havia sido bem feito. Disso não
discordo e é a única conclusão válida que a pesquisa do Mobilize Brasil pode
dar. Agora se a pesquisa não tivesse bias, ela permitiria verificar o quanto em
termos percentuais da cidade esse tipo de iniciativa foi feito em 8 anos de
gestão. Será que a prefeita teria motivado para se vangloriar e achar efetiva
sua política de renovação urbana?
Enfim, o que
devemos fazer, nós cidadãos “superinformados",
é estar muito atentos com o que nos é apresentado hoje em dia.
Vivemos na época do excesso de informação
que flui a velocidade descomunal e trafega com intensidade global. Isso torna
cada vez mais exigente nossa postura ao consumi-la. Por outro lado, aos meios
de comunicação, espera-se ainda mais rigor nesse processo de curadoria. Será um
fator decisivo para a sobrevivência dos mesmos. Afinal de contas repassar
informação sem digeri-la está a um RT de todos nós.