Um dos assuntos mais sensíveis em nossa sociedade refere-se à sensação de impunidade. Algo que permeia todas as classes sociais e os mais diferentes setores da sociedade e que tem efeitos deletérios incomensuráveis.
Infelizmente esse sentimento de impunidade tira-nos a capacidade de uma análise racional sobre um dos maiores problemas brasileiros: o injusto sistema punitivo que vivemos. Vou usar aqui o termo sistema punitivo para me referir de forma ampla ao sistema que envolve a polícia judiciária, ministério público, justiça e sistema prisional. Todas as vezes em que se cogita estabelecer penas alternativas para casos de menor poder ofensivo ou que busquem esvaziar cadeias e delegacias cresce o sentimento de impunidade e abre-se o espaço para discursos populistas.
Embora sob uma primeira análise a ideia de liberar quem cometeu ilícitos leva-nos imediatamente a pensar em impunidade, é preciso perceber que esse raciocínio é por demais simplório para compreender um dos maiores problemas de uma sociedade cheia de complexidades e deficiências históricas como a nossa.
Um dos princípios básicos de um sistema punitivo em países democráticos é de que a pena por um ilícito deve guardar proporção com o dano causado pelo delito. Esse princípio não existe de fato hoje. Não me refiro nem ao arcabouço legal, mas à dura realidade de pessoas (a grande maioria de pobres) que se amontoam em cadeias e que via de regra pagam muito caro pelo que fizeram. O papel ressocializador que o Estado é obrigado a exercer também é inexistente. Na verdade, ao se tratar batedores de carteira junto de homicidas, traficantes e gangsters de todo naipe, se está alimentando um círculo vicioso da violência.
O impacto desse círculo vicioso é cruel na nossa vida cotidiana. Os agressores vão se “escolando” no crime e também, por saberem que não faz muita diferença entre ser latrocida ou meramente um batedor de carteira, tornam-se cada vez mais violentos. Aqueles que defendem leis mais rigorosas precisam compreender que o grande problema é que o sistema punitivo hoje já é rigoroso. Na verdade, demasiadamente rigoroso e demasiadamente injusto. Uma reforma que induza o Estado a agir com parcimônia e sabedoria é o que devem buscar os homens públicos de bem. Mas para isso é preciso coragem para não serem cooptados pelos discursos fáceis, mas contra-produtivos.
Vejamos o exemplo americano. Eles têm as prisões de segurança máxima, as mais exemplares. Muitas delas são privatizadas e o zelo para reduzir o contato dos presos com os agentes está presente nos menores detalhes. Há muito se sabe que esse é um dos pontos vulneráveis de qualquer prisão. É o elo mais fraco, visto que a interação preso-agentes é suscetível à corrupção, extorsão e ameaças.
No entanto, o grande problema que os americanos estão vivendo é que as prisões, por melhores que sejam, estão superlotadas. O sistema penal e judicial americano está em crise pelo excesso de pessoas ou presas ou em liberdade condicional. Os norte-americanos estão agora sofrendo conseqüência de uma política rigorosa de punição implementada nos últimos vinte anos. Há vinte anos atrás 580.000 pessoas estavam condenadas a prisão nos EUA. Esse número hoje é de cerca de 2,3 milhões de pessoas. No Japão, por exemplo, esse número era 40.000 e passou a 71.000 vinte anos depois. A população americana representa 5% da mundial mas em se tratando da população carcerária a americana é de 25% da global. A taxa de presos por habitante nos EUA é 756 por 100.000 habitantes sendo cinco vezes maior do que a média global. Um em cada 31 adultos nos EUA está na prisão ou em um sistema de liberdade vigiada.
A razão principal para esse crescimento exponencial da população carcerária Americana é de que a lei é muito rigorosa com pessoas que cometem pequenos delitos. Isso tira toda a energia e foco das autoridades policiais e as impede de se concentrar nos grandes problemas como o aumento da dominação do cartel mexicano. Não precisamos cometer os mesmos erros que os americanos cometeram.
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