O lançamento do anuário 2012 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre a realidade da Segurança Pública no País continua, infelizmente, sendo um
evento midiático. Digo infelizmente não como uma crítica ao anuário, à
imprensa, nem muito menos à iniciativa do Fórum em produzi-lo, mas ao fato
de se caracterizar como um evento por jogar luz nas enormes deficiências das instituições públicas que atuam na área.
Primeiramente o anuário revela as altas taxas de
violência que continuam nos diferenciando de boa parte do mundo e em especial
dos países com desenvolvimento econômico similares ao nosso e que tanto
gostamos de nos comparar.
Não fora somente por isso, ele é também um evento, por evidenciar
a vulnerabilidade de nossas instituições em uma tarefa tão básica como
contar crimes. Ele mostra de forma inconteste que essa tarefa não é feita de
forma correta em boa parte dos Estados.
Vejamos alguns exemplos. Para começar é preciso fazer um
esforço em classificar os Estados em grupos que se caracterizam pela qualidade
do dado que fornecem ao Ministério da Justiça via Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP). Sem isso as comparações e diagnósticos ficam prejudicados
e podem levar a interpretações equivocadas.
Em 2011 foram quinze os Estados considerados como
fornecedores com dados com qualidade (não necessariamente os mesmos de 2010). O
primeiro parâmetro para tal classificação foi uma comparação com os dados do
Datasus que possui um banco de dados que contabiliza mortes por agressão. Divergências
muito grandes são indicadores de falta de qualidade. O Amapá, por exemplo, forneceu
a SENASP informação de que haviam ocorrido somente 6 homicídios em 2011, muito
embora o Datasus tenha registrado cerca de 180 mortes por agressão.
O outro parâmetro para classificar os Estados é a frequência
e abrangência dos dados que são informados esses dados a SENASP. Alguns Estados
simplesmente não informam alguns dados básicos. Estados ricos como Paraná,
Minas Gerais e Santa Catarina não informam adequadamente as informações a
SENASP. O Ceará, para não ficar por fora, não informou a quantidade de ocorrências de
roubos em 2010 e continuou sem informar a
quantidade para o mesmo fato em 2011.
Pouquíssimas polícias contabilizam as mortes provocadas por
policiais seja em serviço ou não. Desta forma, não podem dizer que têm alguma
política para reduzir uma das chagas que vêm marcando as forças policiais desde
o Estado Autoritário: o uso abusivo da força.
Vê-se ainda que boa parte das ocorrências de crime que
levaram a mortes são categorizadas como “a esclarecer”. Ou seja, sabe-se que
houve uma morte, sabe-se que foi em decorrência de violência, mas não são
caracterizadas nem como homicídio, latrocínio, lesão seguida de morte, enfim,
são a serem esclarecidas. Esse fenômeno seria até compreensível, pois nem
sempre se pode imediatamente determinar a causa mortis, mas o surpreendente é a
frequência e taxas crescentes com que vêm ocorrendo. Seria uma tentativa de
maquiar a realidade?
No Rio de Janeiro, por exemplo, do total de 6620 ocorrências
que levaram a morte, 37% delas são “a esclarecer”. No Ceará, a taxa também é
crescente e já chega a 17,8% das ocorrências. Vale ressaltar que não estão aqui
inseridas as ocorrências de suicídio e tentativa de suicídio, que aliás, também
estão em alta em alguns Estados.
O Ceará, segundo dados coletados pela SENASP à própria Secretaria de
Segurança e Defesa Social do Estado, é um dos Estados da Federação onde mais há ocorrências registradas
pela polícia de suicídios ou tentativas em 2011. Um número alto a ser
investigado, se não pelos os estudiosos em segurança, pelo menos para os responsáveis
pela saúde pública. Os números contrapõem-se ao nosso senso comum de que somos
um povo acima de tudo alegre e que chega mesmo a fazer humor com nossa
desgraça. Ou seria outra forma errônea
de contar as ocorrências?
Tem muito mais a ser investigado nos dados do anuário.
Trata-se de rica fonte de informação para aqueles que querem entender nossa
realidade na área de Segurança Pública. Como já escrevi aqui no blog, nossas
deficiências em contar crimes são evidências fortes de que nosso modelo de
polícia está esgotado. Os dados não são confiáveis porque não são usados. Não
são usados porque não são considerados importantes. Para fazer o policiamento
que se faz hoje, é bem verdade, não são importantes mesmo não.
Para mim, um profissional da área de Tecnologia da Informação,
a frustração é ainda maior. Considerando todos os recursos investidos em
Tecnologia da Informação dos últimos anos, todas essas deficiências me levam a
crer que ainda por cima estamos jogando muito dinheiro fora. Além da queda, o
coice.
Nenhum comentário:
Postar um comentário